De vez em quando, no início do ano letivo sou convocado a saudar os calouros da minha velha e sempre nova Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Remexendo em arquivos do computador, encontrei um trecho do que eu disse a eles em fevereiro do ano passado e não resisto ao ímpeto de reproduzir em seguida.
Qual lição eu poderia dar aos meus mais jovens companheiros de amizade sob as Arcadas do Largo de São Francisco senão a humildade? ?- perguntei-lhes.
A experiência de vida só me dá certeza de que ainda estou a aprender. Permaneço estudante, preservando a curiosidade dos jovens, evitando as certezas e a arrogância intelectual. Permaneçam estudantes - prossegui -, reiteradamente aprendendo. O que disse então, repito a seguir, como se estivesse a dizer agora.
Se ao final dessa aula me pedissem uma boa lição, eu tentaria ensinar-lhes a humildade. A simplicidade. Sermos simples como os regatos que deslizam, desde o alto da montanha, entre seixos, gravetos e torrões de terra. Simples como o olhar dos animais pequeninos sob a proteção materna.
Tentaria ensinar-lhes a humildade. Não somente em palavras, nos gestos. Compreender que não estamos isolados no mundo e os nossos circunstantes não são meras circunstâncias, porém o outro eu. De modo que não existimos sem eles, tal e qual eles não existiriam se não estivéssemos aqui. Não tomarmos a nossa singularidade como motivo determinante das nossas ações. Não supormos, equivocadamente, sermos mais do que qualquer outra pessoa.
O que fazemos não será menos importante do que o trabalho do operário que fabrica objetos de toda ordem e do jardineiro que cultiva o perfume das flores mais sutis quando as tardes acontecem. Por isso tudo eu ensinaria a humildade.
Mas não, não é assim. Eu não a ensinaria. Em verdade, eu nada faria senão tentar ensiná-la. Pois já não é humilde quem afirme ser capaz de fazê-lo. Estudaríamos a humildade para sermos grandes entre os grandes. Ser humilde é partilhar o que nos excede, em todos os sentidos. Fazer da própria vida um impulso, um movimento voltado à construção de um mundo mais justo e menos triste do que este em que vivemos. E - mais - porque ser humilde é saudar a possibilidade de participarmos dessa construção. Um mundo de igualdade de oportunidades para todos, no qual nenhuma criança sinta frio e os velhos estejam a salvo de qualquer abandono.
Em uma faculdade Direito (não de Justiça) aprendemos que o direito positivo é contraditório: está a serviço do modo de produção social dominante, mas consubstancia a derradeira garantia de defesa das classes subalternas.
Quando vier um outro tempo, conduzido pela mão da história, uma notável mudança qualitativa ocorrerá. Não sei quais canções cantaremos. Se o Hino à Alegria - os homens tendo aprendido a ser felizes. Talvez cânticos celestiais. Um hino internacional, um tempo de novos rumos? Talvez...